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Birdo em Captain Rainbow (Wii, 2008): a polêmica entre sátira, controvérsia e representatividade nos videogames

Imagem: Reprodução/Nintendo via Pingouinsandwich/Super Mario Wiki

Em 28 de agosto de 2008, a Nintendo lançou para o Wii um dos projetos mais incomuns de sua trajetória: Captain Rainbow. O título, desenvolvido pela Skip Ltd. — estúdio responsável por experiências como Chibi-Robo! e GiFTPiA —, surgiu como uma aventura excêntrica que reunia personagens pouco lembrados ou relegados ao segundo plano dentro do catálogo da empresa.

A ambientação se passa em Mimin Island, um local pitoresco onde essas figuras residem, cada uma carregando um dilema ou fragilidade que contrasta com a imagem idealizada dos heróis da Nintendo. Ao assumir o papel de Nick, um sujeito comum que se transforma em Captain Rainbow, o jogador é convidado a interagir com essas personagens e ajudá-las a resolver questões que vão de pequenas excentricidades até verdadeiras crises de identidade. A proposta, por si só, já o diferenciava da maioria dos títulos da época: em vez de lutas épicas ou desafios tradicionais, o game explorava o lado humano, frágil e até embaraçoso de personagens que, em outros contextos, teriam apenas papéis secundários.

É nesse cenário improvável que encontramos Birdo, uma das figuras mais curiosas do universo dos encanadores extraordinários. Introduzida em Super Mario Bros. 2 (1988), a personagem sempre carregou consigo uma aura de ambiguidade. Em manuais originais, chegou a ser descrita como alguém que "pensa ser uma garota", um detalhe que vem gerando debates sobre sua identidade desde o fim dos anos 80.

Em Captain Rainbow, essa ambiguidade retorna de forma central. Birdo aparece como uma das moradoras da ilha, mas sua história ganha uma roupagem muito mais madura quando ela é detida por utilizar o banheiro feminino, quando Mappa, o policial-robô de GiFTPiA, acredita piamente que a personagem pertença ao gênero masculino. A acusação coloca o jogador em posição de decidir como lidar com uma situação delicada e, até então, inédita em um game da companhia.

A polêmica missão de Birdo em Captain Rainbow e o questionamento das fronteiras identitárias

Imagem: Reprodução/Nintendo via RudyC3's Let's Play VODs/YouTube

O arco narrativo de Birdo consiste em provar sua identidade diante dos demais habitantes da ilha, e para tanto, o jogador deve coletar testemunhos, dialogar com personagens e, sobretudo, defender sua legitimidade como mulher. Trata-se de um objetivo simples em termos de gameplay, mas carregado de implicações temáticas.

O desfecho varia conforme o desempenho do jogador. Se bem-sucedido — ao encontrar um item extremamente comprometedor em seu quarto —, Birdo é libertada, reafirmando sua identidade e conquistando a aceitação dos outros. Caso contrário, permanece encarcerada, e aqui está a raiz do problema: a sugestão de uma sociedade incapaz de enxergar além dos preconceitos. Essa dualidade confere à missão uma camada dramática inesperada, sobretudo em um título que, à primeira vista, parecia apenas uma comédia nonsense. Talvez o humor tenha sido o principal foco da quest, mas ela acarreta uma crítica implícita às formas como o tema é questionado e validado por terceiros.

Entre sátira e crítica: como entender a ousadia de Captain Rainbow

Desde seu lançamento, essa missão tornou-se o ponto mais discutido do jogo. De um lado, há quem considere a escolha da Skip Ltd. ousada por colocar em pauta um tema que raramente encontrava espaço nos videogames da época, ainda mais em um título vinculado à Nintendo. Para esses jogadores, a missão de Birdo representa uma tentativa de provocar reflexão em meio a um enredo aparentemente leve. Por outro lado, há quem aponte que a execução tropeça ao transformar a identidade de Birdo em objeto de piada — afinal, a ideia de uma personagem ser presa por "provar" quem é pode soar ofensiva. O equilíbrio entre crítica e deboche nunca é totalmente claro, e isso pode contribuir para a aura controversa do episódio.

Imagem: Reprodução/Nintendo via Pingouinsandwich/Super Mario Wiki

É significativo notar que Captain Rainbow foi lançado somente no Japão e em Taiwan. Muitos especulam que a decisão foi motivada justamente por quests como a supracitada — a Nintendo teria considerado arriscado levar para o Ocidente um enredo tão sensível — e assim, o jogo permaneceu como uma curiosidade restrita ao público japonês e aos entusiastas que importaram a obra.

Para muitos fãs, essa representação, por mais burlesca que seja, confirma Birdo como uma das primeiras personagens de gênero não-binário da Nintendo, ainda que a empresa nunca tenha oficializado esse status; e nesse sentido, o bizarro título do Nintendo Wii acaba funcionando como um capítulo extraoficial de reconhecimento. E é justamente esse contraste entre humor e crítica, leveza e desconforto que transforma a participação de Birdo em Captain Rainbow em um dos momentos mais instigantes da história da Nintendo.
Eduardo Jardim

Natural de São Paulo (SP), Eduardo "Pengor" Jardim é um criador de conteúdo, ilustrador e imaginauta. Criou o Reino do Cogumelo em 2007 e desde então administra e atualiza seu conteúdo, conquistando dois prêmios Top Blog e passagens pela saudosa Nintendo World.

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